Saudade gostosa de uma viagem feita há 10 anos

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Em janeiro de 2008 eu estava terminando um mochilão de 1 mês com a Carol, minha irmã. Obedecendo as orientações para curtir a Europa no inverno do nosso guru de viagens, quase que só incluímos grandes cidades no circuito. Foram 4 ou 5 dias em Dublin, Roma, Barcelona, Madri, Paris, Amsterdam, uma noitezinha em Brugges, que estava no meio do caminho e dois dias restantes em Londres, por onde eu voltaria.

É incrível pensar no quanto nossa forma de viajar mudou neste período. Não só porque foi a última vez que viajei de mochila (incluindo aí todas as características deste tipo de viagem), mas lembro do meu celularzinho rosa, de flip, com tela e memória mínimas e câmera totalmente dispensável – boas selfies eram conseguidas depois de tirar muuuitas fotos de câmeras de verdade, tentando acertar o ângulo sem visor frontal pra ajudar. Fizemos todas as reservas pelo Hostelworld, fui e voltei com milhas da Varig e tivemos muitas experiências antropológicas fazendo todos os trechos europeus de Ryanair – minha primeira experiência com lowcosts de verdade. Na época, escrevi um texto que foi bastante acessado e linkado (é esse aqui), sucesso na embrionária rede de blogs de viagem. Ah, e nessa época não havia Whatsapp, Facebook, Instagram. Tínhamos nossos blogs pessoais onde contávamos nossas aventuras.

Nosso périplo começou em Dublin, onde Carol estava em um programa de Au Pair numa família de irlandeses. Cheguei de Aer Lingus depois de uma conexão em Frankfurt. O Jim, pai dos meninos que Carol cuidava, foi me buscar no Aeroporto e a Sheelagh, a mãe, preparou um jantar para me receber. Como se não bastasse essa recepção calorosa, quando terminou o jantar ela nos entregou uma garrafa de licor irlandês e disse que era pra quando fossemos para o quarto, pois devíamos ter muito assunto pra atualizar. ❤

Os dias em Dublin foram ótimos – passeios pelos principais lugares da cidade e algumas compras para a viagem que se iniciava, pois eu não tinha roupa de frio para aguentar o inverno europeu. Gostei muito de conhecer a Guinness, mas o melhor passeio foi à destilaria Jameson, onde nos voluntariamos para uma prova de uísques escocês, americano e irlandês e saímos de lá alegrinhas, alegrinhas.

De Dublin fomos para Roma, em nosso primeiro e mais longo voo da Ryanair, onde viajamos nos piores assentos – essa viagem serviu para entendermos na prática vários paranauês de viajar lowcost, mas continuamos aprendendo (i.e. levando no lombo, rs) a cada trecho voado. Em Roma ficamos em um B&B perto da estação Termini com o melhor atendimento da viagem – Carol estava meio gripada e a dona nos trocou de um quarto coletivo para um quarto duplo e todos os dias, depois do café, ela desenhava roteirinhos e indicava lugares ótimos para conhecermos, além de praticamente nos obrigar a levar o restante do café da manhã para comermos ao longo do dia. Foi graças a ela que conhecemos a sorveteria maravilhosa Palazzo del Freddo Giovanni Fassi e a pizzaria La Gallina Bianca. Outra lembrança que tenho de Roma é a frequência dos galanteios dos romanos – era na hora de pedir uma informação, ajuda para encontrar uma praça… Uma vez, procurando um restaurante, quando nos demos conta haviam quatro policiais tentando nos ajudar.

De Roma para Barcelona. Lá escolhemos um hostel bem perto da Plaza Catalunya, uma das melhores localizações da viagem – e também a pior hospedagem. O prédio era antigo e mal conservado, todos os cômodos tinham cheiro de cigarro. A única boa lembrança foi o elevador, muito antigo e lindíssimo – tinha até lugar pra sentar, todo em madeira. Descobrimos Gaudí nos encantando com a Casa La Pedrera e o Parc Guell, e nos chateamos ao visitar a Sagrada Familia, cuja nave ainda estava cheia de andaimes. Comemos muito bem em Barcelona, graças às dicas da Adriana Setti e seu blog Achados. Me lembro do restaurante Sete Portes, onde pedimos um menu gigante sem querer – e ficamos desesperadas em ver tanta comida.

De Barcelona, pegamos outro Ryanair para Madri. Ficamos muitíssimo bem instaladas no antigo hostel Colours na Calle Huertas. Perto de tudo, deu pra devorar os principais museus da cidade. O hostel tinha um esquema interessante de alimentação – a geladeira estava disponível, com tudo o que tinha dentro, qualquer hora do dia. Para duas mochileiras, foi perfeito – saíamos bem alimentadas e mais tarde, antes de alguma programação noturna, voltávamos para fazer um lanchinho. Além disso, o hostel tinha uma máquina de Nespresso à disposição – luxo dos luxos pra nossa realidade!!!  Fizemos um bate-volta a Toledo que nos deixou com vontade de voltar – e voltamos, as duas, em ocasiões diferentes. Em Madri almoçamos meio cochinillo no restaurante Botín, “o mais antigo do mundo” e descobrimos o excelente restaurante de cozinha galega Maceiras, do ladinho do hostel. Saudades… Também fizemos, lá, um tour do Bus de la Navidad – o passeio, noturno, custava 1 euro e o ônibus passeava pelos principais monumentos, todos decorados com as luzes de Natal. Fomos para a parte de cima e passamos um frio danado, mas não descemos até o final do trajeto. 😀 😀

De Madrid para Paris, último voo low cost da viagem. Lá, nos hospedamos na casa de uma professora Elaine, que nos recebeu com muito carinho, compartilhou seu Natal conosco (experimentamos scargot!) e nos ensinou muito sobre o jeito francês de viver. Todos os dias saíamos para comprar baguettes na padaria e nos esforçávamos no idioma para pedir uma “baguette tradition” pra no último dia o padeiro revelar que falava português, o danado… Visitamos Versailles num dia em que ambas estavam de péssimo humor e tivemos o que foi pra mim o pior dia da viagem. Até tentávamos conviver, mas qualquer coisa era motivo para reações ríspidas. Sobrevivemos àquele dia, e nos divertimos também, apesar de tudo. Esta foi a minha segunda passagem por Paris, e a primeira em que a cidade me conquistou.

De Paris, um pit-stop de 1 noite em Bruges – chegamos lá em um trem lotaaaaado, que mal havia onde sentar. Compramos muitos chocolates, vimos uma relíquia que data do tempo das Cruzadas, não nos entendemos com o aquecedor da pousada e acabamos dormindo no maior calor, em pleno inverno belga. Melhor que sem aquecimento nenhum, né não? 😉 Ah, e sobre cidades pequenas no inverno… quando chegamos, achamos que era uma cidade fantasma, tão diferente das outras por onde passamos! Mas estava cheia de vida, dentro dos restaurantes e casas quentinhas 🙂 No dia seguinte já pegamos outro trem para Amsterdam, onde passamos o Reveillón – conhecemos uma virada de ano gelada e totalmente diferente da nossa. Me encantei por Van Gogh e não visitei a casa de Anne Frank. Tivemos uma experiência gastronômica interessante em um restaurante japonês tradicional. Experimentamos Space Cake, passeamos pelo Red Light District – nos hospedamos bem pertinho, num Christian Hostel.

De Amsterdam pegamos um ônibus da Eurolines para Londres, que usava o Eurotunel. Foi meio claustrofóbico imaginar que o onibus entrava numa espécie de conteiner para então engatar no trem que passa pelos tuneis – lembro que tratei de dormir logo pra não ficar pensando muito naquilo. Em Londres visitamos a exposição sobre os Guerreiros de Xi’an no British Museum e fomos assistir ao Fantasma da Opera no Her Majesty’s Theatre – um casal nos abordou com uma história louca de ingressos bem localizados que eles precisavam repassar por um preço mais em conta porque tinham um compromisso… achamos que era golpe, mas resolvemos arriscar… e não é que deu tudo certo? Assistimos à peça de um lugar super bom. 🙂 Carol me levou até Heathrow, onde nos despedimos com muito choro. Foi dureza nos separarmos depois de quase 30 dias de grude e a perspectiva de mais meses longe uma da outra.

Viajar com alguém que gostamos pode ser uma surpresa, nem sempre positiva. Às vezes uma pessoa muito querida tem um ritmo totalmente diferente do seu e pode ser uma péssima companhia de viagem. Essa nossa viagem foi muito especial, e trouxe muito crescimento e autoconhecimento. Tivemos dias ruins, brigamos, mas era preciso fazer as pazes e (às vezes) dar o braço a torcer. Descobrimos – ou relembramos – alguns limites inegociáveis. Terminamos a viagem mais fortes e unidas.

Já viajei sozinha algumas vezes, e há quase 10 anos tenho um companheiro de viagens com quem, entre irritações por causa de detalhes (geralmente da minha parte), malas extraviadas e hospedagens mal escolhidas, já nos divertimos muito e descobrimos mais ou menos a nossa fórmula de sucesso pra viajar. Nestes 10 anos já viajei também com meus pais, voltei a viajar com Carol – e com minha sobrinha, e este ano viajei com meu irmão, só nós dois, pela primeira vez. São viagens mais complexas, temos que nos acostumar uns aos outros em outro ambiente, mas com muitos retornos. Viagens assim, com membros da família com quem viajávamos quando crianças, por um período mais longo, é uma sessão constante de recordações, redescoberta de antigos medos e simples prazeres, inversão de papéis e compartilhamento de novidades. Entre passeios, cuidados, almoços, confissões, de todas as viagens voltamos mais unidos, mais família.

Que venham as próximas. 😀

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